
Acerca de

A rapariga de olhos grandes e cabelo preto
Capítulo XI
Chegou a casa. O Lorde apareceu à porta. Não ladrava, parecia triste.
- Então, Lorde? Que se passa?
Não ouviu qualquer barulho. Ana ainda não chegara. Foi tomar um banho. Estava cansado. Exausto mesmo. Vestiu-se e deitou-se na cama. A ouvir o silêncio. Adormeceu. Acordou passava das 21h. Levantou-se e foi à sala, cozinha, casa de banho. Ana não estava. Ligou-lhe. Não atendeu. Sentou-se no sofá. Apreensivo. Costumavam jantar por volta das 20h. Ana era rigorosa com os horários. Ligou-lhe novamente. De novo sem resposta. Lorde olhava-o cabisbaixo. Deu um salto e foi ao quarto, abriu o roupeiro. A mala de viagem de Ana não estava. Faltavam roupas. Foi à casa de banho e deu-se conta de uma escova de dentes. A dele. Ana fora embora.
Para onde teria ido? Ligou a Margarida, amiga de Ana. Não atendeu.
Estava sozinho. Respirou. E sorriu. Aliviado. Muito aliviado.
- Grande D., a Ana foi embora.
- Expetável.
- Quando cheguei a casa, não estava. Não atende o telefone. Não deixou uma nota. Nada.
- Estavas à espera de quê?
- Não sei. Disto não estava.
- As mulheres sentem. Há ali qualquer coisa nelas que...não te sei explicar.
- Desde quando és especialista em relações?
- Eh pá, é o que se diz. E do que li também batem sempre aí. Na tal intuição feminina.
- Deve estar bem, certo?
- Liga-lhe de novo. Faz o que te compete.
- Pois. O que me competia fazer não fiz há muito tempo.
- Passa à frente. Vais a Paris?
- Vou. Tenho que ver no trabalho. Eich, como vai ser no trabalho?
- Pois.
Desligou o telefone e pensou como seria o regresso ao trabalho. Com a Ana lá. Ligou-lhe. De novo, sem resposta.
Encostou-se no sofá e imaginou Paris. Perdeu-se nessa imagem. Idílica. Não se moveu. Perderia a magia do momento.
- Senhores passageiros, vamos dar início ao embarque para Paris.
Não gostava de aeroportos. Lembrava-se da viagem a Londres com a tia quando tinha 10 anos. Numa fração de segundos, deixou de ver a tia. Ficou imóvel à espera. Recordava-se das pessoas a passarem por ele com as malas atrás ruidosas. Não paravam.
Nesse dia soube que o mundo era demasiado rápido. Que as pessoas viam de olhos fechados. Que o amor da tia era o seu bem maior. Começara a chorar. Lembrava-se de se assoar à manga do casaco. E de uma mão que conhecia ao redor das suas costas.
- Meu querido, estou aqui. Está tudo bem.
Sentado no lugar do avião, começou a pensar que acabara de cometer uma loucura. Sentiu-se ridículo. Ela não o iria reconhecer. Pior. Iria reconhecer, não querendo conhecer mais. De coração apertado, levantou-se. Pegou na mala e dirigiu-se à porta.
- Senhor, tem de se sentar, por favor. Descolaremos em 5 minutos.
Voltou ao lugar. Tenso. Folheou a revista da TAP para enganar a mente. Leu os artigos sobre as novas rotas, viu os perfumes e afins, prendeu-se à entrevista a um chef francês. Que falava de croissants. Do Sena. E de Montmartre. Gostaria ela de croissants? Atrever-se-ia a dizer que sim.
Croissants beijados por um baton vermelho. Bem vivo.