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Acerca de

Wave

A rapariga de olhos grandes e cabelo preto

Capítulo XV

Acordou às 9h30. Tomou banho e vestiu-se. Enquanto saboreava o pequeno almoço começou a sentir um dissabor. Olhou para o telemóvel novamente. Nenhuma chamada nem mensagem dela. Era cedo. Facto.

 

Desceu à receção. Tinham entregue a encomenda em mãos logo de manhã. Facto. Voltou o dissabor. Começou a sentir-se nauseado e ridículo. Novamente a sensação de se ter atirado para fora de pé. Sem saber nadar, sem colete salva-vidas.

Pensou em telefonar ao Grande D.. Não o fez. O amigo dormia durante as manhãs. Tinha aceitado um trabalho ainda mais secreto se é que isso fosse possível e passava as noites em claro. Lembrou-se agora que não lhe tinha dito o que tinha feito. Raios parta o champagne. Tinha ideias parvas quando bebia demais. Resolveu cortar com a espiral descendente de pensamentos e saiu porta fora do hotel. 

 

Foi até um café ali perto. Estava frio mas sentou-se na esplanada. Tinha poucas mesas, em todas elas cactos em pequenos potes e uma vela. Aqueles detalhes que o deliciavam. Pediu um café e logo se arrependeu. Sabor queimado que o revirou por dentro. Nada como o seu Delta de preferência Platina. Sentiu saudades de casa. Da tia. Do café. Da sensação de paz. Desde que chegara a Paris, vivera uma montanha-russa de emoções. E ainda estava a meio da viagem. 

Por ali ficou. A observar quem passava. 

 

Tinha contado à tia poucos dias antes de embarcar o que iria fazer. A tia dera-lhe um beijo na testa proferindo "Vai, meu querido. Vai."

Num impulso ligou à tia.

    - Bom dia, meu querido.

    - Bom dia, tia.

    - Como estás?

Contou-lhe todos os pormenores. Não omitiu nada.

    - Sê paciente. Aguarda. Tens tempo. Visita a cidade. Vai ver os teus pintores. 

    - Sim, tia. Tem razão. Esta minha impaciência dá cabo de mim. 

    - Fé. Nunca fez mal a ninguém. Um beijinho, meu querido.

    - Um beijinho, tia.

Ficou mais um pouco no café. O Sol tinha aparecido, meio tímido mas saboroso. 

Levantou-se e caminhou sem direção.

O vento era cortante. Puxou o cachecol tapando um pouco o rosto e levantou as abas do casaco. Caminhou em passos fortes para aquecer o corpo e arrefecer a mente. Regressou ao hotel. 

 

Ao entrar no lobby dirigiu-se ao elevador. Enquanto esperava, sentiu uma presença atrás de si. Voltou-se. 

    - Encontraste-me.

Ficaram em silêncio por alguns segundos. Mergulhou fundo nos olhos dela. Em perfeita serenidade. 

    - Encontrei-te. 

    - Como?

    - Não te posso dizer.

    - Não acredito que me encontraste.

Esboçava um sorriso, os olhos grandes brilhavam.

    - Não era suposto?

A porta do elevador abriu-se. 

    - Acompanhas-me?

    - Sim.

Permaneceram mudos. Ela deu-lhe a mão. Estava gelada. Ele não se importou. Chegava a tiritar. Os lábios vermelhos tremiam com o frio. 

    - Entra. Queres tomar alguma coisa?

    - Quero um whiskey.

Serviu dois whiskeys e sentaram-se.

    - Estou incrédula. 

    - E eu... não sei dizer-te. 

Sorriram.

    - Não sabia como irias reagir à minha ousadia.

    - Estou aqui, não estou?

   - Fui a tua casa em Montmartre mas não tive coragem de te abordar. Estavas a sair acompanhada por um homem.

Estava a abrir o livro todo. E não se importava. Preferia não ter dúvidas.

    - Era o Jacques, dono da galeria de arte. A exposição está a correr muito bem. Compensa os outros trabalhos que faço que não me dão gozo nenhum.

    - Vi todas as fotos. 

    - Rostos que me marcaram. Aliás, pessoas que me marcam. 

Olhou-o nos olhos, inclinou-se e beijou-o. Suavemente. 

    - Não é suposto dizermos nada, pois não?

Perguntou-lhe a medo rendido.

Ela sorriu. Levantou-se. Deu-lhe a mão. 

    - Vamos beber um café à rua? Conheço um sítio que tem o melhor café de Paris.

Ela gostava de café. Do bom. Sorriu por dentro. 

 

Saíram. Colocou o braço sobre os seus ombros, puxando-a para ele.

Beliscou-se com a outra mão. Não estava a sonhar. Nenhum sonho seria tão belo.

Não saberia o que viria depois. O agora bastava-lhe.

                                                             Fim da história. 

                                                   Todos os fins são novos começos.

  

 

 

 

      

 

    

 

 

 

  

 

    

 

  

 

    

   

    

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